quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Contextualização

Quero escrever, camaradas
Com toda saliva saindo pelo papel
Que no meu tempo
Eu
Sei das coisas

No meu espaço
Deixem-me
Que eu me viro

Agora, quanto àqueles que se fingem à minha
Pessoa
Desses que só sobre meu cuspe
Não sei mais
Da China
Os acionistas de Xanghai
Continuam a dar gargalhadas
Nem na Nicarágua
Ou da Costa Rica
Honduras anda aos prantos com Zelaya
E as Nações Unidas – meus caros,
Os mesmos que jogaram ás traças do leste
Europeu a nação dos charutos –
Clamam pela ilegalidade do corrupto do mesmo
Partido do anterior presidente

Também não sei
Se o Álvaro de Campos
É ou não Fernando Pessoa
Do mar português
Somente vejo borrascas financeiras
Nada de mulheres bigodudas com seus
Pasteizinhos de Belém
Mas o Álvaro – meus caros – sabe bem o que dizer
A esta era:
“nuncaconheciquemtivesselevado porrada!”

Que se vão para o espaço todas essas lantejoulas
Do anos 90
E que se vá para órbita
Como Yuri Gagarin
O cosmonauta soviético
Herói nacional
Essas ações Lehman Brothers
Esses títulos de créditos do governo norte
Americano
Os imóveis hipotecados de Wall Street

Essa rua de paredes
Rua The Wall – totalmente adequado aos padrões
Floydianos
Pedra sobre pedra se erguem esses burgueses
Pedras retiradas da muralha da China
Pedras de crack roubadas da Rua Riachuelo
Pedras de gelo das banheiras militares
Pedras doiradas do caminho maravilhoso
Do Mágico de OZ!

Então, camaradas
Peguem suas máquinas
Tirem esses óculos
Limpem essas lágrimas
Desfaçam todos os laços
Que essa existência é um ócio

Somente a luta é que dignifica
A luta é sempre sanguinolenta
Consome os dias como o fogo consome
Oxigênio
E deixa as costas duras e os nervos
Doendo
Mas é ela, camaradas
É ela! Não a mesma do Álvaro
A mesma do Alvarez
E o eco, ainda longe, respondeu:

Celso Eidt...so Eidt......Eidt
Camaradas!

A realidade só se aprende
Só se enfrenta
Defronte o espelho
É que nos vemos
A nós mesmos
E o mesmo cão
Cujas pupilas refletiam o céu
- de talvez Curitiba –
refletem agora a complexidade:
crise de dinheiro inexistente
revolta no Irã de aiatolás
China maior credor dos Estados Unidos
Brasil munidos de Odebrecht
Greve no INSS decretada ilegal por Lula da
Silva
Camargo Correia dando dinheiro ao Partido
Dos Trabalhadores
E a lista continua ad infinitum

E agora José?
E o amor?
Será simples ainda?

Riram agora, com tais palavras
Muitos Líquidos analistas
Ex – comunistas
Ex – personagens da pós-modernidade

Porém eu sei,
Camaradas
Eu sei onde está a simplicidade
Onde está a tonalidade
A dialética
A estética
A luta de classes

Itaqui, São José dos Pinhais
Vila Sabará, Cidade Industrial de Curitiba
Calçada da Fazendinha
Solo onde se deu a luz a três
Repito
Três crianças nasceram na calçada
Numa favela edificada a meio – fio

E 300 policiais, dois por cada resistente morador,
Deram conta do recado
Que liquidês há na tropa de choque versus pobres
Sem destino?
Somente se houvesse sangue
O visco líquido que o Capital aprendeu a beber
Sim José, camaradas
A luta é simples como água e pão
E reflete nas pupilas de cada cara marcada de Sol
O Povo só tem o Sol acima das cabeças
E ainda assim, canta
Mais ainda abraça o inimigo como se fosse um
Irmão

Basta de paz nessa terra!
Façamos a guerra!
Pois só pode haver paz depois da guerra
E vida na luta,
O pão nosso de cada dia
Nos dai
O pão das crianças da ocupação da calçada
Que ficaram sem comer desde às 5 da manhã
Eram onze horas
E sua fome maior era de casa
Pois haviam sido despejadas
Por 300 policiais
Às 5 da manhã

Eis o que chamam Luta de Classes
Eis o que chamam Militância
Havia vida ainda
E era só o que havia
Era só o que se via

Mesmo que eles morressem
Todos eles
Habitantes históricos da calçada
Ainda assim
Haveria ainda vida
E somente se veria
Quão lindos
Quão linda
Que peso
Que vida!


Yuri Campagnaro

2 comentários:

Anônimo disse...

Legal o poema.

Sinto que segue a estética do Bearzoti, mas falta a música que se encontra nos poemas do professor, o ritmo (a repetição, ao longo de alguns versos, de certas cadências clássicas do português) e as rimas (nos termos, internas, e sobretudo toantes).

Outra coisa falta, a legibilidade. Nos últimos trabalhos, PB é nítido, transparente, mesmo quando não se reconhece alguma referência (a personagens, acontecimentos, etc).
Nesse poema a legibilidade é obnubilada pela saliência de sentimentos autênticos, mas que talvez exageram os limites da compreensibilidade.

Penso, a propósito, que poemas que tendem ao discurso, devem ser nítidos e sustentar-se sobre uma música facilmente reconhecível, sob o risco, em assim não sendo, de aborrecer o ouvinte.

De qualquer forma, vejo que o texto indica, na medida em que o corrobora, um caminho legítimo à poesia.

Frt Abç,

Rodolfo.

Anônimo disse...

A luta pela sobrevivência instaura a guerra de todos contra todos Através deste raciocínio lógico-dedutivo, desta construção do pensamento, chega-se à justificação do poder....
Otimo poema com percepções nitidas..