sábado, 13 de setembro de 2008

Os meninos e eu

Os meninos empinavam pipas;
eu, pássaros.

Os meninos folheavam revistas
de garotas nuas;
eu, assistia ao namoro dos sapos.

Os meninos iam ao cine;
eu, atravessava a pé
o igarapé

Os meninos desenhavam piratas
tesouros, navios;
eu, a escafandrista solitária.

Agora
solidão nos devora
em negros prédios
meio à elite ignara

Os meninos vestem
negro/desencanto
seguem com cifras
nas pupilas vítreas

Tão tristes os meninos,
reclusos, bebendo
o índice Dow Jones
junto com café.

Trocando de amantes
a cada inverno.
A alma pesada os faz andar
em cadência de elefante.

Eu,
desenho gravuras
em tons rosa chá
teço minhas roupas
danço minhas músicas
escrevo meus poemas

Não atravesso
o vidro friodo templo
moderno
-shopping center-

Não atravesso
a porta de cedro
do antigo templo

(enquanto o Vaticano
não doar aos pobres
todo ouro seu)

Vivo nas esferas
desço ao chão
para pisar águas
dos igarapés

Adormeço
no berço-arraia
que me embalazul
no "mar/
belo mar selvagem"

Bárbara Lia ( convidada)

4 comentários:

  1. Um mergulho, o seu poema, Bárbara

    E "Palavras ao mar " é um de meus poemas preferidos

    Palavras ao Mar.

    Mar, belo mar selvagem
    Das nossas praias solitárias! Tigre
    A que as brisas da terra o sono embalam,
    A que o vento do largo eriça o pêlo!
    Junto da espuma com que as praias bordas,
    Pelo marulho acalentada, à sombra
    Das palmeiras que arfando se debruçam
    Na beirada das ondas - a minha alma
    Abriu-se para a vida como se abre
    A flor da murta para o sol do estio.

    Quando eu nasci, raiava
    O claro mês das garças forasteiras:
    Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
    Nadando em luz na oscilação das ondas,
    Desenrolava a primavera de ouro;
    E as leves garças, como olhas soltas
    Num leve sopro de aura dispersadas,
    Vinham do azul do céu turbilhonando
    Pousar o vôo à tona das espumas...

    É o tempo em que adormeces
    Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
    Que estoura e brame sacudindo os ares,
    Não os sacode mais, nem brame e estoura;
    Apenas se ouve, tímido e plangente,
    O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
    Langue, numa carícia de amoroso,
    As largas ondas marulhando estendes...

    Ah! vem daí por certo
    A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
    Este marulho que me canta na alma,
    E que a alma jorra desmaiado em versos;
    De ti, de tu unicamente, aquela
    Canção de amor sentida e murmurante
    Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
    Pela manhã de sol dos meus vinte anos.

    Ó velho condenado
    Ao cárcere das rochas que te cingem!
    Em vão levantas para o céu distante
    Os borrifos das ondas desgrenhadas.
    Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
    Palpitante de estrelas quando é noite,
    Paira, longínquo e indiferente, acima
    Da tua solidão, dos teus clamores...

    Condenado e insubmisso
    Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
    Uma alma sobre a qual o céu resplende
    - Longínquo céu - de um esplendor distante.
    Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
    Meu tumultuoso coração revolto
    Levanta para o céu como borrifos,
    Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.

    Sei que a ventura existe,
    Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
    Como dentro da noite amortalhado
    Vês longe o claro bando das estrelas;
    Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
    Da alma entreabrindo, subo por instantes...
    O mar! A minha vida é como as praias,
    E o sonho morre como as ondas voltam!

    Mar, belo mar selvagem
    Das nossas praias solitárias! Tigre
    A que as brisas da terra o sono embalam,
    A que o vento do largo eriça o pêlo!
    Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
    Escondido, fantástico, atirando
    Pela sombra das noites sem estrelas
    A blasfêmia colérica das ondas...

    Também eu ergo às vezes
    Imprecações, clamores e blasfêmias
    Contra essa mão desconhecida e vaga
    Que traçou meu destino... Crime absurdo
    O crime de nascer! Foi o meu crime.
    E eu expio-o vivendo, devorado
    Por esta angústia do meu sonho inútil.
    Maldita a vida que promete e falta,
    Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
    E, dando as asas, não permite o vôo!

    Ah! cavassem-te embora
    O túmulo em que vives - entre as mesmas
    Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
    Entre as nuas areias que te cingem...
    Mas fosses morto, morto para o sonho,
    Morto para o desejo de ar e espaço,
    E não pairasse, como um bem ausente,
    Todo o infinito em cima de teu túmulo!

    Fosse tu como um lago,
    Como um lago perdido entre as montanhas:
    Por só paisagem - áridas escarpas,
    Uma nesga de céu como horizonte...
    E nada mais! Nem visses nem sentisses
    Aberto sobre ti de lado a lado
    Todo o universo deslumbrante - perto
    Do teu desejo e além do teu alcance!

    Nem visses nem sentisses
    A tua solidão, sentindo e vendo
    A larga terra engalanada em pompas
    Que te provocam para repelir-te;
    Nem buscando a ventura que arfa em roda,
    A onda elevasses para a ver tombando,
    - Beijo que se desfaz sem ter vivido,
    Triste flor que já brota desfolhada...

    Mar, belo mar selvagem!
    O olhar que te olha só te vê rolando
    A esmeralda das ondas, debruada
    Da leve fímbria de irisada espuma...
    Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
    Um coração chagado de desejos
    Latejando, batendo, restrugindo
    Pelos fundos abismos do teu peito.

    Ah, se o olhar descobrisse
    Quanto esse lençol de águas e de espumas
    Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
    Apiedada entendera os teus rugidos,
    Os teus gritos de cólera insubmissa,
    Os bramidos de angústia e de revolta
    De tanto brilho condenado à sombra,
    De tanta vida condenada à morte!

    Ninguém entenda, embora,
    Esse vago clamor, marulho ou versos,
    Que sai da tua solidão nas praias,
    Que sai da minha solidão na vida...
    Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
    E embale-nos a nós que o murmuramos...
    Versos, marulho! Amargos confidentes
    Do mesmo sonho que sonhamos ambos!

    Vicente de Carvalho

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  2. a bárbara é ótima. adorei o poema.

    esse vicente de carvalho era do caralho. como escrevia bem, puxa! e como sofria - além de poesia aguda - de autopiedade crônica.

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  3. mas, completando...
    td bem, era o estado de espírito da época. há de se entender.
    o mal do século, o verdadeiro mal do século para os poetas daquele tempo não era a tuberculose; era a idealização da morte precoce, da tragédia pessoal, do fracasso laureado de "versos geniais". era isso, mais do que a tuberculose, que os matava. sabe? masturbar-se com os dedos da morte.
    veja, até castro alves, um romântico solar (por assim dizer), mais infenso à melancolia byroniana - este equívoco histórico! -, volta e meia falava na morte como quem fala de sua derradeira namorada, como quem fala da mulher mais cobiçada e inacessível da paróquia, uma eugênia câmara do outro mundo.

    esse vicente de carvalho, além de poeta brilhante, era um otário! apesar de ter morrido com quase 60 anos, devia pensar que tinha no máximo 21 (a idade arquetípica - a idade de álvares de azevedo) na hora exata (porque, parafraseando o quintana, a morte sempre chega pontualmente na hora errada).
    na hora da morte, cara, todo mundo é recém-nascido!

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  4. madeira, e você que se nomina voz de eco... o meu pai passou a vida inteira a declamar poesias, e uma das que ele mais amava era esta de Vicente de Carvalho, e eu tenho estes fragmentos inteiros na memória, poesias de Castro Alves e de Camões... e é claro, uma saudade infinita do meu pai...
    abraços

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