mis mares interiores se quedaron sin playas
federico garcia lorcao vento cardíaco
carrega um homem sem voz
que não sabe se encostar
e morrer.
as ventoinhas, a caminho
de serem pedras,
tremem como espinhas de peixe
não tremem
e jazem malferidas
sem sofrer.
só a respiração do trigo
é minha amiga.
o azul cerúleo, que transporta
homens e pássaros, a mim ameaça
- é quando não durmo.
sempre que gepetos à relha
mexem a terra,
conto os minutos
para a cova que me abrem
essas coisas que vejo sem retinas
existem. não há dúvida!
meus olhos são ossos da cegueira,
caminhos pelo escuro, moscardos cegos.
vou abandoná-los, de todo em todo
não me estiolaram.
serei mais lúcido que o sol ao meio-dia.
oh, noite, por terrivel que sejas,
no plástico preto
com que asfixias tudo
há furos de estrelas!
moro no plantio,
próximo ao galpão, à colheitadeira
moro em mim de passagem
como num hotel barato.
fui feito para o terror
e não pude senão me assustar
(não dou sombra ou frutos ou coroas.
não sou dafne
em sua grande
tristeza vegetal)
dois corações se debatem
em meu peito:
uma maçã cheia de larvas,
mordidas, merda de gralha;
outro que é ninho e fuga e
salsugem do mar nunca visto.
penso através do susto, do mofo,
do amor, da inveja.
meu sorriso de barbante
é uma cicatriz perplexa
o único movimento, às abelhas do sol,
é parar sempre,
estacado sem o céu e o chão.
e no entanto, caso não me traia
e me devolva a solidão,
migro como meus inquilinos.
tenho paina e feno nas carnes
meu sangue é a água quando chove.
será que estou vivo?
minha voz dobrará horizontes?
deus, dai-me raízes!
um dia terei raízes como que asas
Rodrigo Madeira