sábado, 30 de junho de 2007
balada de um catador de papel
ossudo qual cão-ninguém
mourejando, recolhendo
pra depois não ter o mínimo
com o qual ir comer bem.
este pulso aberto na urbe
num esfolamento diário
de cuja fé nascem urzes
bocas feitas pras migalhas
escorre por entre o trânsito
transido, retorto, em transe
buscando latas, papéis
nos garimpos das lixeiras.
ele dorme num depósito.
ele fede a mel da urina
e a fumaça das fogueiras.
de manhã como de tarde
trajando roupa de aniagem
(calça jeans, hering furada)
seca as bicas do semblante
e segue a azarenta viagem
segue a recolher aos montes
pelos cantos da cidade
o que é resto, rebotalho.
por dezessete centavos
o quilo do papelão
atravessa bairro e bairros
(a boca de pó, ressaibo):
um cristo sem vocação.
ele segue a via-crúcis
com a sua cruz-carroça
pelas ruas da cidade...
e quando, com andar futil
desce a pé alguma guria
de retoque e não-me-toque
(porque inda não usa antolhos
vai cuidando das calçadas)
ele murmura entre dentes
entre ajustado e incoerente
pois seu despeito não cala:
“eu não deixo pra mais tarde!
viu, eu sou sangue nos olhos
mas o peito é meu canteiro!
não me encare sem me ver!
eu me queimo qual janeiro
moça, eu vou te recolher!
nunca tive quatro patas!
não sou infarto dos carros
não sou piolho de tráfego
nem a trombose das ruas!
não tenho culpa do atraso!
não sou bicho-de-goiaba
(ou bicho-de-pé, de-a-pé)
neste asfalto de viaduto!
não vim de podres condutos
infeccionar a paisagem!”
quando ele não é invisível
é um nó górdio na garganta
de quem quer ir impassível
de quem tem seu carro como
uma casa em movimento
quem cronometrando avança
quem kilometrando pisa
cuj´alma é de lataria
e o descaso, de cimento.
quantos dão a preferência
nas manhãs engavetadas
nas tardinhas entrevadas
para o carro da indigência?
quantos dão a preferência?
quantos, de fato, se inquirem:
quais são as suas histórias?
como, com tão pouco, vive?
pensamos mas esquecemos:
voltamos a nos coçar
com nossas íntimas pulgas...
em programas de tevê
em rodadas de cacheta
em sessões de pedicuro
pisa-se o bicho-da-culpa.
mas entre a favela e o centro
ao sol que apodrece, lento
mourejando, recolhendo
pra depois não ter o mínimo
com o qual ir comer bem
o sísifo maltrapilho
agora carrega um filho
ossudo qual cão-ninguém
Rodrigo Madeira
quinta-feira, 28 de junho de 2007
Litanias da desesperança e da pobreza
Lágrima seca que embarga o coração...
para a possibilidade de um relacionamento,
de um envolvimento que poderia
deixar duas almas
mais próximas por algum tempo,
e não ter nada a oferecer para alguém,
a não ser a própria errância,
a própria confusão, o espólio de
uma andança sob um céu sem estrelas.
Onde o amor e o saber cada vez mais
são levados a uma jornada em territórios
de provações,inquietudes,amarguras...
Inóspitos ao anseio e para o proveito
de tranqüilas e doces sensações,
para o calmo deleite que embala fantasias.
Oh,os preços a serem pagos sem sabermos o porque...
em épocas que se estendem nos becos
e nas vias sinuosas da insignificância e da solitude.
Leandro Vicelli
sexta-feira, 22 de junho de 2007
quarta-feira, 20 de junho de 2007
Contribuição Ao Jogo De Conversa fora De Botões
quero uma cama rasa
para deitar e apagar
por um longo tempo
enquanto o começo de era
da gente fina elegante e sincera
estiver ainda no lá
e fico num fastio
rompo com o mundo
queimo meus navios
tiro os motores dos meus aviões
escondo álbuns de recordações
por que vou ficando pior e terrível
quero afastar tudo que for removível
sem impropérios nem imprecações
ficar calada,fechada numa mansidão
onde os botões conversam
de dentro ou fora
de suas casas.
Maria José de Menezes
(antologia Pó&teias.2006)
Leve Mundo em Mãos
na caixa de correio
sai tem rumo certo
órbita em torno
do termo cunhado especialmente
para designar harmonia
Carteiro,carteiro,carteiro
averiguando números para entrega
o sol está a pino
e a terra não chegou ainda a seu
destino.
Maria José de Menezes
(Manifesto Arte-n17. jul04)
Fl´oral
Maria José de Menezes
terça-feira, 19 de junho de 2007
Presídio de Mulheres
Maria José de Menezes
sábado, 16 de junho de 2007
para narcóticos anônimos
Deus, conceda-me serenidade para aceitar
as coisas que eu não posso modificar,
coragem para modificar aquelas que
eu posso e sabedoria
para reconhecer a
diferença.
só por hoje, funciona.
1
e uma árvore
cresce
em minha carne.
há tantos
ventres cheios
como forem
os frutos não-pensados.
meu nome, eu o ouço
sempre
pela primeira vez.
meu apelido
é "silêncio".
2
(...) juro que pude
ouvir a respiração
das baratas,
nos dias longos
como a semana,
o dialeto do lodo
pela língua pensa
das derrotas.
orgulhoso e absurdo,
garimpei, garimpei,
roubei, menti e menti.
tresnoitei como
um bicho caçado
sob a desaprovação
dos pássaros matutinos.
quantos suicídios
em banheiros públicos vazios!..
"medocaram, medocaram
assim!...", sussurrava,
reduzido às minhas
roupas de piá.
a realidade se tornara
um detalhe ingrato
e a vida, mera subtração
entre mim
e todas as coisas.
mandei ferrolhar
meus ouvidos,
armei o cão de minha
laringe
e apertei o gatilho
vezes incalculáveis...
minha casa era
uma ampulheta.
mas não parei...
eu ainda tinha tempo,
eu ainda tinha medo,
eu ainda tinha corda,
eu ainda tinha vendas!
em algumas tardes,
joguei paciência
na antecâmara da morte
como quem apenas
esperasse
o fim de um dia triste.
a certeza
folhada à dúvida
foi meu melhor adereço.
escrevi uma elegia
na palma aberta
da alegria
e cavalguei meu grito
e caminhei meu
cortejo fúnebre
e cavei minha sepultura
até minhas unhas
se encherem de pólvora.
cheguei por fim
à última cava
do isolamento humano,
meu desendereço:
solidão sem mim,
como
a casca vazia
de uma cigarra.
3
ainda ressinto
o antigo gosto
de esgoto
no café da manhã
(mas algo me alista à luta),
ainda sonho
parir meus pais
(mas meu peito
é o parapeito
do irmão)
e a vida ainda
nos acontece
à queima-roupa
(mas há uma fundição
em nossas almas).
escrevo agora
de uma das sacadas
do amanhecer:
as vísceras da aurora
são anônimas.
a noite
já não precisa mentir.
e uma árvore
cresce
em minha carne,
rente às vértebras,
arrevesada, as raízes
no espaço...
dessangrando o céu
no fio
de nossos sorrisos,
refazendo as mãos
na forja
do cumprimento,
forja
de outras mãos,
doravante, companheiros,
nasceremos
como o sol,
a cada dia,
um dia de cada vez
Rodrigo Madeira
quinta-feira, 14 de junho de 2007
segunda-feira, 11 de junho de 2007
sábado, 9 de junho de 2007
sexta-feira, 8 de junho de 2007
A Dança das Marionetes
Brincam de Guerra.
Sob tais pés,
Crianças Choram.
Quem Secará as Lágrimas,
quando...,
O Baile da Máscaras Acabar?
Joselaine Mota
quinta-feira, 7 de junho de 2007
Quark
No corpo das cores.
Clara cantiga criança
No rastro das flores cadentes.
Poesia pulsando no éter,
No cinturão das galáxias
A música das esferas,
Angustia da minha espera
Num gigante espaço
Curvando-me entre sóis
Em gota azul, fisgada em anzol
Na calmaria das ondas do oceano cósmico.
Perdido em seu átomo, um sonhador
Embevecido em chuvas quânticas
De partículas fractais,
Onde as águas naufragam em feixes de luz.
Angela Gomes
sábado, 2 de junho de 2007
sexta-feira, 1 de junho de 2007
O X DE BRASÍLIA
livro "Aranha Castanha e outras tramas" (Editora Cortez, Gloria Kirinus)
Para Mário e José Carlos
Por que será que cada cidade tem sua consoante? Não, não vou perder tempo, neste momento, enumerando a consoante que predomina em cada cidade que visitei nesta vida. Ficarei com Brasília e sua inseparável letra X.
— Siga pelo eixo, pelo eixo, pelo eixo! — grita alguém da janela do carro, interrompendo a minha reflexão em torno de letra tão complexa de anexos.
— Por onde? Xiiiiiiiiiii, será que esta cidade tem nexo?
— Pelo Eixo Norte, duas vezes, e mais duas, pelo Eixão.
— Vejamos, eu não entendi: faço o contorno da tesoura que assim, aberta, tem cara de X. Logo, deparo com o Eixinho Sul e depois, você explica, que devo contornar o Eixão? É isso mesmo? Será que não existe maneira mais simples de indicar caminhos?
Saí de Brasília em linha reta com receio de encruzilhada. Quero dizer, tentei sair. Logo apareceram outras letras e a primeira impressão desconexa sobre a cidade começou a ganhar outros eixos. É que alguém me orientou com muita calma:
— Quer sair da cidade? Então, procure a W3 no sentido L2.
— Não entendi, desculpe, poderia ser mais claro?
— Veja, minha senhora: a W3, Norte e Sul, na verdade é uma só. E a L2, Norte e Sul, na outra verdade, é também uma só.
— Estou começando a compreender. Quer dizer que as retas que se cruzam fazem um enorme X. É isso aí?
Recortei o resto da explicação com a tesourinha e refiz o caminho seguindo novo rumo. Quando vi estava no mesmo lugar, dando volta ao mundo.
Espera aí, Brasília tem forma de avião, superquadras de um lado, quadras menores do outro. Seguirei a lógica das asas e do corredor no meio, claro. Mas a cabine apontando o Congresso está no extremo Norte ou no extremo Sul? Bem, isso depende das voltas que deu o avião. Ou será que depende das voltas que eu mesma dei?
Pressinto que a confusão é mais subjetiva que objetiva. A verdade é que Brasília prende seus visitantes, no fluxo de seus corredores internos e também externos. Prende nos seus contornos pares e ímpares, nos seus pontos fixos e sufixos.
Bem, já que Brasília não me deixa sair, vou ficando por aqui, aproveitando para conhecer as outras letras. Xiiiiiiiiii... acho que me perdi no trânsito e no alfabeto. Qual era mesmo o X da questão?
Publicado no livro "Aranha Castanha e outras tramas" (Editora Cortez, Gloria Kirinus)
Mário, Feliz Aniversário!