sexta-feira, 28 de março de 2008

quinta-feira, 27 de março de 2008

[ colégio cristo rei ]

Dei três voltas no quarteirão. na quarta parei. estava lá a velha. assoviei, não deu bola. não me reconhece mais. suas rugas pareciam as mesmas, na mesma quantidade, qualidade e profundidade, mas nunca idade. as flores não eram as mesmas mas se pareciam o suficiente. só eu que não me parecia. espantei a piazadinha com dinheiro prá doces como faziam comigo. o uniforme é o mesmo, mas mudaram o nome da escola, morreu um político ladrão e importante. olhei prá velha agachada no canteiro, chamei de tia e pela voz ela lembrou . lhe dei a mão para levantar e ela me deu uma lágrima. e eu lhe dei um tiro. ao som de meu filho. deixei as moedas no chão. pela primeira e última vez paguei pelas flores. dei três voltas no quarteirão. na quarta pairei.

Adriano Esturilho
(Quixote. p17. Julho de 2005)

Será um gato?

As Palavras

Pensamos que o universo é feito apenas daquilo que vemos nele, porém há coisas que não enxergamos, embora existam. Aprendemos a todo o momento, com nossa leitura de mundo, com pessoas da família ou amigos e ainda com a escola. É a palavra que nos humaniza, nos distingue dos outros seres. A tradução do pensamento em grafia, que precede a palavra, permanece intacta nas cavernas.
Os segredos revelados pelas palavras estão escondidos nas páginas dos livros. É preciso ler para que eles apareçam diretamente na nossa imaginação e no nosso entendimento.
Se não lemos, todas essas informações guardadas nos livros não se revelam para nós. Quem não lê, vê apenas uma parte das coisas do mundo e não consegue ver tudo.
As palavras são poderosas e podem esconder-se. Elas dominam o escritor pode ficar refém delas, buscando como num baralho aquelas que dão conta de expressar seu pensamento. Fugidias, escorregam pelas curvas cerebrais e a isto alguém já chamou de falta de inspiração.
elas podem aparecer quando se está executando outra tarefa que não a de escrever e se não anotar , corre-se o risco de esquecê-las. Aquelas boas palavras que formulavam com propriedade um raciocínio. Então acontecem os melhores momentos, quando elas fazem o percurso do cérebro pululando até os dedos, que dançam no teclado, e as espalha no texto. O coração do autor vibra de satisfação e o pensamento dele sai pela boca num sorriso.
O sentimento que decorre disto, não se narra com palavras. É novazio que ele encontra com ele mesmo. Isto está inseridono nossoprograma divino de ser humana, nalguma região do ser que prescinde da palavra. Neste momento ela fica sobrando, porque se pode ver, ou sentir, ou apenas ser. as palavras caem e o ser se vê. É o saber instantâneo.

Marilza Conceição

Buk na Rua - Anti Cia de Teatro - RJ (Teatro Noturno para Adultos Insones)

O Imperfeito

A brisa era leve e trazia um cheiro molhado
O tempo me olhava, calado
E o dia, parecia o mais-que-perfeito.

O som que pairava sob o céu
Causava um torpor
E a textura nas cores que eu via
Encobertas com um véu, reluzia.

O sol de intenso amarelo
Parece até que sorria
E tudo era novo de novo

No alvorecer
Tão perfeito
No brilho do dia

Em todo lugar era arte
Leitura, canção e poesia
E a vida pintava as cores
Num céu de alegria

A lágrima escorria em meu rosto
Por ver tão perfeita harmonia

E eu canto a beleza da vida refeita
Dos sonhos de antes e agora
De amor e paixão pela arte que aflora
Do peito de uma alma imperfeita

Alessandro Jucá





Os poetas Angela Gomes, Ricardo Pozzo e Olinto Simões na Feira de Livros de Araucária - PR



Festival de Teatro de Curitiba - Buk na Rua (Anti Cia de Teatro - RJ)
Curitiba (centro)

segunda-feira, 24 de março de 2008


HOKuSAI

o que ganho em contemplar o lodaçal?
– antecipamentos de abismo.

prefiro bicicletas em ruas de hokusai
ou de encosto em árvores.

prefiro carregar bacias à lavadeira que desempenha o ofício de bater
o lençol contra o silêncio da pedra.

Everton Freitag

sexta-feira, 21 de março de 2008


A Crônica

Quando a professora de Português leu "O Homem nu" arrancou risada geral na classe. Comprovara o que dissera - que havia tal Sabino que fazia qualquer um rir - mas o que era cômico virou incômodo. Aconteceu o inevitável. A professora pediu o texto. Os alunos tinham que escrever um texto. Um maldito texto. escrever já é difícil; crônica então, nem se fala. Texto não é bom nem de ler; só é bom de ouvir e quando é engraçado ainda. Eu não ia fazer e pronto. Um trabalho a menos não ia fazer diferença. só escreveria se a professora desse um bom motivo; droga! Ela deu. Ia valer quarenta pontos na média do bimestre. Malvada, me pegou pelo pé: último bimestre, precisando de nota, repetente, mãe pressionando, ameaças do pai; a perversa sabia o que estava fazendo. Disse que sabia que a gente não era escritor muito menos o Sabino, mas que poderíamos vir a ser e que sabia do nosso potencial, “quem sabe a literatura não é o talento de vocês?”, blá, blá, blá...
Eu tinha sete dias para escrevê-la, para fazê-la surgir; não sei de onde, não sei como. Conforme os dias iam passando eu dormia cada vez menos, mas a idéia não despertava nunca. Agora eu só tinha o fim de semana, tinha preocupações, tinha vontade, tinha medo de ficar na mesma série.
Eu só não tinha a bendita idéia. Com certeza a professora confundiria minha ausência de nota e idéias com presença de preguiça e seria premiado com ausência de nota e consequentemente... eu não podia nem pensar nisso.
O problema da crônica estava ficando crônico. Busquei muitas estórias que aconteceram comigo, eu tinha vergonha de contá-las, poderia ficar cômico, mas eu ficaria com o mico, lembrei de estórias que aconteceram com os outros, alguém poderia se irritar, o Fantástico era a minha última esperança, mas a boa noite” do casal de apresentadores fez com que ela morresse; e como sempre morreu por última.
O tempo entre as vinte e duas horas de domingo e às sete e meia de segunda passaria em cinco minutos, sempre era assim. E o tempo passaria rápido mesmo se eu não dormisse; a angústia funciona como um acelerador das horas. Mas eis que: tcham, tcham, tcham; às duas da manhã, veio uma idéia, não era das melhores, aliás, era ruim, mas era a última chance que havia trazido uma nova esperança junto, era a cartada final, a que você acabou de ler.

Gilson Pereira




Mais um 8 de Março

Nos idos de 1.800 e qualquer coisa,
mais de 100 tecelãs revoltaram-se
por trabalhar tanto quanto os homens
e ganhar bem menos.
Apesar de eu não lembrar exatamente a data
e a quantia de mulheres,
nem sequer saber o local,
sei que as greves
eram proibidas.
Mas a injustiça extrapolada até a subserviência.
resmungos daqui, lágrimas de lá e revolta dali,
juntaram-se e romperam a latência.
afinal, porque há a desigualdade no salários
e a produção é a mesma?
Polícia, violência.
Resolveram a questão
purificando as mais de 100 mulheres.
Queimaram, trancadas , no galpão onde trabalhavam.
13 anos depois, na Dinamarca, os homens decidiram;
tornar esse dia especial e Internacional,
e de preferência com uma flor,pois daqui para frente
não haverá fogueira que chegue.

Deisi Perin

"En la numerosa penumbra,
el desconocido
se creerá en su ciudad
y lo sorprenderá salir
a otra de otro lenguaje
y de otro cielo.

"Jorge Luis Borges , El Forastero ."

quarta-feira, 19 de março de 2008

Não há vagas

Um corvo fizera um ninho em sua sorte. Palavra que não o amedrontou a impiedosa demissão após tantos anos de suor e devotamento aos patrões. Confiava cegamente na força com que Deus dotara seus braços. Trabalho algum lhe infundia medo. Era da estirpe daqueles homenzinhos de borracha de que nos fala Raquel de Queiroz que, precisando, esticavam. Mas tanta disposição esbarrava sempre no odioso cartaz que afixavam nos muros das construções e das fábricas: "Não há vagas". Não se desesperou o pobre-diabo. Pediu a Deus que lhe desse serenidade e diminuisse o apetite dos filhos que comiam mais do que lima nova. Sabia que não havia mal que durasse para sempre, nem bem que nunca se acabasse. Mas o apetite dos moleques crescia diariamente e ao cabo de poucos meses a dispensa estava tão vazia quanto a alma dos ricos.
Dinheiro já não havia. No bolso apenas alguns vinténs de esperança. Arrastava-se pela cidade como alma penada á procura de um trabalho qualquer com que pudesse recuperar sua dignidade de homem. Mas, à sua espera, pressagiando seus passos, lá estava a velha e impecável mensagem de sempre: "Não há vagas". Por fim, já exausto e desesperançado, incapaz de encarar a mulher e os filhos, acendeu o último cigarro que chupou como se sugasse um seio de mulher, depois montou em sua bicicleta e rumou em direção às praias do litoral , onde morreu afogado.
Na areia da praia, dentro de um sapato furado, encontraram um bilhete em que pedia perdão à mulher e aos filhos e "explicava" (mas ninguém entendeu) por que havia se abalado até ali para morrer no mar feito um rio: "(...) ontem ouvi uma canção que dizia : ' é doce morrer no mar ', além disso, aqui sempre há vagas" .
Edivan Pereira da Silva

domingo, 16 de março de 2008


Mujeres de Modgliani

toda la noche estuvieron durmiendo
estas mujeres

ni el mar mojaba
sus sueños

marisco ninguno
adornaba sus pies

ninguno de sus ojos adormecidos
han esparcido su polen del cielo o jardín

toda la eternidad
estuvieran durmiendo estas mujeres

y

el viento – antes perseguido por caballos –
hay

castigado sus flancos.

Everton Freitag

Urbe

Jardins metálicos polinizados
A pólvora por abelhas
Mecânicas e borboletas
Metafóricas
Exalam a fúria
Dos dias em flor.

Carlos Sousa

sábado, 1 de março de 2008




O Traço

sei que meu traço
não segue em linha reta,
e é em papel áspero
que rascunho minhas idéias.
se meu mundo
não segue a simetria do seu,
possivelmente é por ser livre
e estar ciente dos riscos.


Juliano Grus